Que
quando chego do trabalho, ela largue por um instante o que estiver fazendo –
filho, panela ou computador – e venha me dar um beijo como os de antigamente.
Que
quando nos sentarmos à mesa para jantar, ela não desfie a ladainha dos seus
dissabores domésticos.
E
se for uma profissional, que divida comigo o tempo de comentarmos o nosso dia.
Que
se estou cansado demais para fazer amor, ela não ironize nem diga que “até que
durou muito” o meu desejo ou potência.
Que
quando quero fazer amor, ela não se recuse demasiadas vezes, nem fique
impaciente ou rígida, mas cálida como foi anos atrás.
Que
não tire nosso bebê dos meus braços dizendo que homem não tem jeito pra isso,
ou que não sei segurar a cabecinha dele, mas me ensine docemente se eu não
souber.
Que
ela nunca se interponha entre mim e as crianças, mas sirva de ponte entre nós
quando me distancio ou distraio demais.
Que
ela não me humilhe porque estou ficando calvo ou barrigudo, nem comente nossa
intimidade com as amigas, como tantas mulheres fazem.
Que
quando conto uma piada para ela na frente de outros, ela não faça um gesto de
enfado dizendo “Essa você já contou umas mil vezes!”
Que
ela consiga perceber quando estou preocupado com o trabalho, e seja calmamente
carinhosa, sem me pressionar para relatar tudo, nem suspeitar de que não gosto
mais dela.
Que
quando preciso ficar um pouco quieto, ela não insista o tempo todo para que eu
fale ou a escute, como se silêncio fosse falta de amor.
Que
quando estou com pouco dinheiro, ela não me acuse de ter despedaçado com
bobagens, em lugar de prover minha família.
Que
quando eu saio para o trabalho de manhã, ela não se despeça com alegria,
sabendo que mesmo longe, eu continuo pensando nela.
Que
não se insinue com minha secretária ou colega para descobrir se tenho uma
amante.
Que
jamais se permita alguma alusão, mesmo de brincadeira, seja positiva ou
negativa, sobre meu desempenho sexual.
Que
com ela eu também possa ter momentos de fraqueza e de ternura, me desarmar, me
desnudar de alma, sem medo de ser criticado ou censurado: que ela seja minha
parceira, não minha dependente nem meu juiz.
Que
mesmo com o tempo, os trabalhos, os sofrimentos e o peso do cotidiano, ela não
perca o jeito terno e divertido que tanto me encantou quando a vi pela primeira
vez,
Que
eu não sinta que me tornei desinteressante ou banal para ela, como se só os
filhos e as vizinhas merecessem sua atenção e sua alegria.
E
que se erro, ou falho, esqueço, me distancio, me fecho demais ou a machuco
consciente ou inconscientemente, ela saiba me chamar de volta com aquela
ternura que só nela eu descobri, e desejei que não se perdesse nunca, mas me contagiasse
e me tornasse mais feliz, menos solitário, e muito mais humano.
Extraído
do livro, Pensar é transgredir da autora de Perdas e Ganhos - Lya Luft.
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