Que o outro saiba quando estou
com medo, e me tome nos braços sem fazer perguntas demais.
Que o outro note quando preciso
de silêncio e não vá embora batendo a porta, mas entenda que não o amarei menos
porque estou quieta.
Que o outro aceite que me
preocupo com ele e não se irrite com minha solicitude, e se ela for excessiva,
saiba me dizer isso com delicadeza ou bom humor.
Que o outro perceba minha
fragilidade e não ria de mim, nem se aproveite disso.
Que se eu faço uma bobagem e o
outro goste um pouco mais de mim, porque também preciso poder fazer tolices
tantas vezes.
Que eu estou apenas cansada, e
o outro não pense logo que estou nervosa, ou doente, ou agressiva, nem diga que
reclamo demais.
Que o outro sinta quanto me dói
a ideia da perda, e ouse ficar comigo um pouco – em lugar de voltar logo à sua
vida, não porque lá está a sua verdade, mas talvez seu medo ou sua culpa.
Que se começo a chorar sem
motivo depois de um dia daqueles, o outro não desconfie logo que é culpa dele,
ou que não o amo mais.
Que se estou numa fase ruim, o
outro seja meu cúmplice, mas sem fazer alarde ou dizendo “olha que estou tendo
muita paciência com você!”
Que se me entusiasmo com alguma
coisa, o outro não a diminua, nem me chame de ingênua, nem queira fechar essa
porta necessária que se abre para mim, por mais tola que lhe pareça.
Que quando sem querer eu digo
uma coisa bem inadequada diante de mais pessoas, o outro não me exponha nem me
ridicularize.
Que quando levanto de madrugada
e ando pela casa, o outro não venha logo atrás de mim reclamando: “mas que
chateação essa sua mania, volta pra cama!”
Que se eu eventualmente perco a
paciência, perco a graça e perco a compostura, o outro ainda assim me ache
linda e admire.
Que o outro – filho, amigo,
amante, marido – não me considere sempre disponível, sempre necessariamente
compreensível, mas me aceite quando não estou podendo ser nada disso.
Que, finalmente, o outro
entenda que mesmo se, às vezes, me esforço, não sou, nem devo ser, a mulher
maravilha, mas apenas uma pessoa: vulnerável e forte, incapaz e gloriosa,
assustada e audaciosa – uma mulher – que precisa ser amada e compreendida.
Extraído do livro, Pensar é transgredir da autora de Perdas e Ganhos - Lya Luft.
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